O presente texto é uma discussão sobre a seguinte indagação: A Geografia é, poderia ser ou, melhor, deveria ser a mais importante de todas as disciplinas escolares?
Essa é uma idéia atípica, que pode parecer estranha diante do que a maioria de nós está acostumada a pensar, pois, infelizmente, o ensino da Geografia na escola ainda é associado a duas idéias principais:
A primeira que ela é uma disciplina que leva ao extremo o recurso da "decoreba". Nós fomos educados assim e, apesar de todas as mudanças, ainda podemos dizer que, para “tirar boas notas” em Geografia, em pleno século XXI, o mais importante continua sendo ter uma “boa memória”. E a segundo é que a Geografia é uma matéria que quase nunca reprova e é mais fácil e menos decisiva do que Matemática ou Língua Portuguesa. A aula de Geografia é um bom momento para fazer um pouco mais de bagunça, até mesmo porque, em geral, professores de Geografia são "mais bonzinhos" de que os das outras disciplinas. Enfim, a visão da "decoreba" e da matéria menos séria é triste, porque a Geografia não é nada disso: ela é uma ciência que integra contribuições de outros campos do saber, como da História, Economia, Antropologia, da Biologia, a Sociologia entre outros e que deve ter uma função central na necessária renovação do ensino. Contrariamente à imagem que corre, a geografia não é um saber “inútil” e “desinteressado”, como adverte o geógrafo francês Yves lacoste em seu célebre livro “A geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra”.
Quando os meios de comunicação mostram incessantemente imagens de vilência agindo nos diversos cantos do planeta, é possível que a escola ignore isso? E quando o clima do planeta dá sinais de alterações perturbadoras, talvez por influência da atividade industrial, é aceitável deixar de discutir isso? É claro que não, a não ser que a escola desista de ter entre os seus objetivos o de ajudar a entender o mundo em que vivemos.
Por que isso acontece? Em primeiro lugar, porque é a Geografia que garante um espaço específico para o tratamento das questões sociais e ecológicas dentro das escolas, permitindo que os problemas do mundo e dos alunos sejam discutidos na sala de aula.
É por isso que "um bom professor de Geografia vai para a sala de aula com um jornal e um globo terrestre".
Claro, pois tudo o que está acontecendo de importante no mundo pode servir como ponto de partida para o trabalho do professor de Geografia.
E no que deve consistir esse trabalho? Basicamente em mobilizar a curiosidade e as idéias que os alunos já têm sobre os temas debatidos e, com base nisso, conduzir atividades em que vamos localizar, mapear, comparar e analisar criticamente os fenômenos discutidos. É exatamente por isso que há muitas décadas já se afirma que, na escola, a Geografia é fundamental para levar alunos e alunas a discutir além da visão superficial e sensacionalista das manchetes dos jornais e da TV. Então, a Geografia é importante porque, mesmo na escola mais tradicional, abre espaço para que os problemas reais do mundo sejam discutidos e aprofundados. Esse processo revela um outro aspecto importante dessa disciplina: ela pode englobar abordagens de várias outras matérias. Um bom trabalho provoca a necessidade de pesquisar e discutir questões históricas e científicas, produzir textos de síntese, levantar dados numéricos e usar a matemática em um sem-fim de tipos de análises. Ou seja, em um trabalho sério de Geografia, todas as disciplinas devem dar sua contribuição; todas as matérias podem "estar contidas" nela. A Geografia, veja só que chique, é a mais multi e interdisciplinar das ciências.
A Geografia deve ser cada vez mais, explorada como a mais importante das disciplinas, para atingirmos dois objetivos em nossas escolas. Esses objetivos podem parecer contraditórios, mas, na verdade, são profundamente complementares:
Pelo conhecimento do espaço local e pela comparação dele com outros lugares, ajudar cada um(a) a compreender melhor sua inserção territorial e cultural, estudando e analisando que contribui para a construção de uma identidade pessoal e comunitária mais rica. Conhecer cada vez mais e melhor seu lugar, sua cultura e as pessoas que vivem nos mesmos espaços que nós;
Pelo tratamento global dos problemas, pela busca de características comuns, pela análise da distribuição e da evolução espacial dos fenômenos e pelo uso constante do globo e de mapas, levar nossos(as) estudantes a conhecerem cada vez melhor o planeta em que vivemos. É a Geografia que possui a mais nobre das missões na escola do século XXI: preparar nossas crianças e adolescentes para a superação dos patriotismos e regionalismos estreitos, e formar para o respeito às diferenças e para o que nós chamamos de "cidadania planetária".
Afinal de contas, o mundo é mesmo quase uma bola, estamos todos no mesmo barco redondo com sua atmosfera fantástica, o que acontece aqui sempre tem implicações em todas as direções do espaço, e não podemos mais nos dar ao luxo de educar nossas crianças como se isso não fosse uma verdade fundamental. Precisamos da Geografia para nos conhecermos, para conhecermos nosso mundo respeitando sua diversidade e complexidade e para construirmos a cidadania planetária. Decore isso !!!
REFERÊNCIA
Márcio Balbino Cavalcante
http://www.alienado.net
Sobre o Autor
Professor e Consultor na área de Educação e de Meio Ambiente. É graduado em Geografia - UEPB; Pós-graduado em Ciências Ambientais - FIP/PB; Coordenador de Projetos Educacionais da Secretaria Municipal de Educação do município de Passa e Fica - RN. Professor de Geografia e Ciências na Escola Estadual Sen. João Câmara, Passa e Fica - RN.